Adelina Gomes (1916-1984)

No Reino das Mães, Adelina Gomes

Adelina Gomes (1916-1984), mulher negra, pintora, escultora e artesã, nasceu em Campos, no Rio de Janeiro. Fez o curso primário e aprendeu atividades manuais em um curso profissionalizante. Descrita como retraída e apegada a mãe, era proibida de namorar ou ter amizades. Aos 21 anos, foi internada no Centro Psiquiátrico D. Pedro II, após o estrangular de seu gato de estimação. Segundo o artista Almir Mavignier (1925-2018), um dos fundadores do Ateliê de pintura junto com a psiquiatra Nise da Silveira, Adelina era considerada pela família como agressiva e perigosa. Diagnosticada como esquizofrênica, ela chegou muda ao hospital.

Aos 30 anos, em 1946, foi uma das primeiras pacientes a frequentar o ateliê de Pintura e Modelagem do Centro Psiquiátrico, sob a supervisão da psiquiatra Nise da Silveira e era a única mulher entre nove artistas. Tornou-se, então, uma das pacientes mais conhecidas do hospital.

Inicialmente, desenvolveu o trabalhou com barro, e logo depois, dedicou-se também à pintura e escultura. Somente após nove anos de internação, seu artesanato foi transposto para cópias em gessos que seriam modeladas em barro, surgindo as primeiras bonecas de barro, corpulentas e majestosas. A arte de Adelina refletia seus estados emocionais e, aos poucos, foram surgindo, com mais cores, elementos visuais emblemáticos de representações do feminino, como a mulher e a flor, aos quais, foi acrescido o gato.

Suas exposições inauguraram um debate na qual se discutia a validade estética da arte dos chamados alienados. Foram tempos de grandes discussões tanto no campo artístico como nos jornais da época, no Rio de Janeiro e em São Paulo, que repercutiram nos museus e galerias de arte.

Nise da Silveira acompanhava a evolução de Adelina, dispondo suas imagens em série cronológica, analisando seu conteúdo e buscando explicações para suas transformações. Adelina reproduzia esculturas que personificavam sua angústia com relação a mãe, uma história marcada por opressões emocionais, físicas e simbólicas, contexto em que, de forma muito curiosa, em série intitulada mães-terríveis, um conjunto de esculturas feitas em gesso são representados, apenas, o busto dessas mulheres, com seios grandes, braços enrijecidos, sem demonstração de movimento. As expressões faciais são incompreensíveis com olhos grandes esbugalhados e a boca aberta deixam dúvida se a expressão é de felicidade ou de espanto.

Dos registros sobre sua obra, uma grande homenagem à Adelina constou de documentário dirigido por Leon Hirszman e lançado em 1988 sob o título “Imagens do Inconsciente”, que foi dividido em três episódios, cada um representado por um paciente psiquiátrico dentre os que foram tratados pela médica Nise da Silveira no Centro Psiquiátrico Pedro II: Em Busca do Espaço Cotidiano, com foco em Fernando Diniz; No Reino das Mães dedicado a Adelina Gomes; e A Barca do Sol que trata de Carlos Pertuis. As gravações foram realizadas no próprio Centro, com a participação de Nise da Silveira e o filme foi considerado pela crítica como um dos melhores documentários da história do cinema brasileiro.

Ainda no âmbito cinematográfico, em 2015, Adelina foi retratada no longa-metragem intitulado “Nise, O Coração da Loucura”, baseado no período em que Nise da Silveira coordenava a Seção terapêutica do Centro Psiquiátrico do Hospital Pedro II.

Em 2021, o Museu de Imagens do Inconsciente, no Dia Nacional da Luta Antimanicomial, em reconhecimento à sua contribuição artística, realizou uma amostra virtual, coletiva, na qual Adelina Gomes foi homenageada, juntamente com Fernando Diniz (1918-1999) e Octávio Ignácio (1916-1980), ocasião em que foram expostas 90 obras, 30 de cada um, com textos críticos e comentários da própria Nise da Silveira.

Em 1984, aos 68 anos, Adelina faleceu, após 47 anos de internação, deixando um acervo de 17.500 obras produzidas durante sua internação, parte permanecendo no Museu de Imagens do Inconsciente.

Por Mariangela Relvas