JOYCE GOLDSTEIN

É com imenso pesar que compartilhamos com vocês a triste notícia do falecimento de nossa companheira Joyce Goldstein, Secretária Geral da FEPAL, ocorrido ontem, dia 16 de setembro.

É muito difícil para nós imaginar este último mês de gestão sem ela, pois Joyce era uma pessoa muito querida, uma psicanalista lúcida e comprometida, uma trabalhadora incansável até seus últimos dias, uma mulher forte com um sorriso inesquecível e uma alegria permanente.

Construiu conosco, hora após hora, dia após dia, o Congresso que realizaremos em breve. É por isso que este evento será a melhor homenagem à sua memória.

Estendemos nossas condolências à sua família, aos seus amigos, aos colegas da Sociedade Psicanalítica de Porto Alegre (SPPA).

Cordialmente,
Conselho Diretor da FEPAL

Para onde vão os analistas quando morrem?

Estou longe de querer escrever sobre clínica. Por exemplo, sobre a morte, que – sabemos – está relacionada à castração. Ou sobre o que acontece quando morre o analista em quem confiamos por anos. Menos ainda quero falar sobre o luto, sobre o desaparecimento dos rituais mortuários e seus efeitos. Nem sequer quero escrever sobre a morte dos analistas, simplesmente.

Quero escrever sobre a morte daqueles analistas que nos importam, certamente um punhado mais ou menos grande de praticantes do mesmo ofício estranho que, ao morrerem, deixam um vazio em nós. Não apenas em nós, deixam um vazio naquilo que não é apenas um grupo ou uma instituição, mas algo maior, muito mais interessante, aquilo que Freud chamou de um movimento.

Os analistas, seres solitários, nos reunimos com mais frequência do que outras profissões. Como se precisássemos nos entender entre nós, quando é tão difícil explicar a outros do que se trata nossa rotina. Ou como se exercêssemos nossa profissão de maneira tão exposta, com uma matéria tão efêmera, que o amparo coletivo, estar entre pares, torna-se imprescindível.

Obviamente, escrevo estas linhas por causa de Joyce. Uma mulher linda, que conheci pouco, mas o suficiente para saber de sua integridade, seu entusiasmo pela vida e sua potência de trabalho. Se alguém duvidasse do que um nome próprio determina, basta pensar no de Joyce, pura alegria – joy – destilada ali. Era um prazer ver Joyce e Wania, uma loira, outra negra, moverem-se juntas com graça, trabalhando, cochichando, rindo com uma cumplicidade que só as causas nobres despertam.

Mas também escrevo por causa de Eduardo Gastelumendi ou Jorge Kantor, esses peruanos queridos que conheci menos do que gostaria.

Esses três – apenas uma pequena amostra, pois cada um poderá colocar os nomes que preferir – deixaram uma marca replicada ao infinito. A marca de sua ausência se torna gigante, pois não fica apenas nos amigos, nas famílias ou em seus analisantes, mas em todos nós. São analistas que não só fizeram seu trabalho na intimidade de seus pequenos mundos, mas também trabalharam em nossas, sempre um tanto difíceis, instituições. Esse lugar necessário para amparar o movimento, para potencializá-lo, embora às vezes também o retarda. Trabalhando com e para os outros, amplificando-se, seu trabalho se engrandecia. Tanto quanto sua ausência agora se engrandece, a falta que nos fazem, o vazio que nos deixam.

Talvez eu esteja escrevendo isso também pensando nos analistas que ainda não morreram, aqueles com quem ainda podemos conversar de outra forma. Ou imaginando até a mim mesmo como ausente. Não sei, e tampouco é preciso saber.

Javier Cercas disse uma vez que a memória é o céu para aqueles que não acreditam no céu. Então, talvez eu escreva agora por um dever de memória. E a memória é feita de palavras, e dos silêncios que se interpõem entre as palavras para fazê-las ressoar melhor. E se os analistas sabem algo, é bordar com palavras, nomear esse vazio do que falta, contornar o impossível de dizer, bordar com palavras o que custa dizer.

Quando ainda era adolescente, perdi meu melhor amigo. Seus pais eram psicanalistas; então uma das imagens que guardo daquele tempo é a de dois psicanalistas em luto, o luto mais atroz de todos – pela morte de um filho –, tão atroz que nem sequer encontra a paz nas palavras. Quando o enterrávamos, um velho professor do colégio em que estudávamos fez um gesto para os que baixavam o caixão e proferiu um discurso fúnebre, de longa tradição na história da oratória. Hoje já não lembro o que ele disse sobre o jovem que acabara de morrer, meu amigo. Mas lembro de seu gesto interrompendo o enterro para falar. Ninguém deveria morrer sem que algumas palavras fossem costuradas, sem que se deixasse registro de sua marca, do vazio que deixam em nós.

A morte é sempre relativa, os analistas sabem bem disso. Acostumados como estamos a lidar com fantasmas, a servir de médiuns – no nosso trabalho – entre o mundo dos vivos e o dos mortos, os analistas conhecem bem o lugar que os mortos ocupam na vida dos que ficam. Sabemos que existe um diálogo que nem a morte é capaz de interromper. A palavra dos que morrem pode ser ainda mais eficaz do que a dos vivos. Todos temos testemunhos clínicos disso.

Mas até o desejo dos que já morreram pode mover os vivos. Talvez devamos, além de palavras, tomar esse desejo como uma tocha, passá-lo de mão em mão, continuar um movimento que seria impossível sem o compromisso daqueles que se foram.

Por Mariano Horenstein
APC (Associação Psicanalítica de Córdoba)