“O pintor é feito um livro que não tem fim.”
Fernando Diniz
Fernando Diniz (1918- 1999) é o mais antigo doente mental frequentador do ateliê de Nise da Silveira. Nasceu na Bahia, oriundo de família pobre de origem negra, cresceu sem a presença do pai. Passou a maior parte de sua vida internado em instituições. Aos 4 anos de idade foi para o Rio de Janeiro com sua mãe, que trabalhou como costureira. Dessa forma, passaram a viver em um ambiente de enormes contrastes marcado pela exclusão econômica, social e racial.
Aos 5 anos, sua mãe abandonou o segundo filho recém-nascido na chamada roda da Casa dos Expostos, lugar onde eram entregues as crianças, de forma anônima, para adoção. Passaram por grandes dificuldades financeiras, por isso, aos 9 anos, ele próprio, foi deixado por dois anos em uma instituição em Petrópolis, onde permaneceu aos cuidados das freiras.
Aos 11 anos, retornou ao Rio de Janeiro, passando a frequentar uma escola pública. Anos depois, teve um surto psicótico ao tomar conhecimento de que a mulher que gostava havia se casado com outro. Abandonou os estudos e permaneceu perambulando, por muito tempo, sujo pelas ruas de Copacabana.
Em 1944, foi internado no Manicômio Judiciário após ser flagrado nadando sem roupas no mar, fato que Nise da Silveira se referia como sendo seu único gesto de rebeldia. Foi levado preso por atentado ao pudor e desacato à autoridade. Nos primeiros anos de internação foi submetido ao eletrochoque e ao coma insulínico, sem melhoras significativas. Estereotipado como louco, permaneceu mudo, isolado e alheio ao mundo externo.
Em 1949, foi transferido para o Centro Psiquiátrico Pedro II, onde encontrou a psiquiatra Nise da Silveira no ateliê de pintura e modelagem, criado em 1946 por ela, no qual a arte era usada como oficina terapêutica de forma a favorecer a livre expressão dos pacientes.
Ao longo dos quarenta anos em que Fernando Diniz produziu toda a sua obra, destacam-se as imagens coloridas que variam do figurativo ao abstrato e as figuras geométricas circulares, as famosas mandalas que foram bastante valorizadas, especialmente por Carl Gustav Jung (1875-1961) que, na época, mantinha correspondência com Nise da Silveira. O reconhecimento da importância de sua obra se deu na década de 60 a partir do contato com críticos de arte como Mario Pedrosa (1990-1981), conhecido por suas contribuições para a crítica da arte e da política no Brasil.
Nos anos 80, foram realizadas duas produções cinematográficas sobre a exclusão social dos chamados doentes mentais e a política de assistência no campo da saúde mental brasileira. Fizeram parte desses filmes os três pacientes esquizofrênicos acompanhados pela Nise da Silveira como Adelina Gomes, Emygdio de Barros e Fernando Diniz. Cada um protagonizou uma parte da trilogia do filme Imagens do Inconsciente produzido pelo cineasta e militante político Leon Hirszman. No segundo filme, Fernando Diniz participou do premiado curta-metragem Estrela de Oito Pontas que registrou seu processo de criação pelo cineasta de animação Marcos Magalhães.
Ganhou seu primeiro prêmio em uma exposição promovida pela Fédération des Sociétés de Croix Marine, inaugurada em 15 de outubro de 1957, na Salle Saint-Jean do Hôtel de Ville de Paris. Uma comissão de críticos de arte atribuiu o prêmio hors concours à pintura de uma mandala. Foram muitas as homenagens que Diniz recebeu ainda em vida. O hebdomadário parisiense Carrefour publicou um artigo sobre uma série de pinturas na qual ele foi comparado aos pintores modernos. Participou, ainda, de várias exposições individuais de 1979 a 1991 e coletivas de 1970 a 1990. No exterior, em 1957, participou de duas exposições coletivas, a primeira no II Congresso Internacional de Psiquiatria em Zurich e segunda na exposição da Fedèration des Societès de Croix Marine - Prêmio Hors Cours. Suas obras estão reunidas no Museu de Imagens do Inconsciente e sua produção ultrapassa a 20 mil obras de pinturas, desenhos, esculturas, tapetes e mobiles.
Nos seus últimos anos de vida realizou um sonho, ao ganhar uma casa dentro do hospital Pedro Ernesto. Faleceu aos 80 anos de cardiopatia e complicações de um câncer na próstata.
Por Mariangela Relvas