EMYGDIO DE BARROS (1895-1986)

Emygdio de Barros foi um artista brasileiro cuja obra é associada à Arte Bruta de Jean Dubuffet (1901-1985) e a Arte Virgem de Mario Pedrosa (1900-1981), como a manifestação expressiva, emocional, espontânea e imediata de autodidatas. Inclusive, Mario Pedrosa foi um defensor incansável da Arte Moderna, crítico de Arte, jornalista e ativista político. Trata-se, no caso, da Arte que não segue padrões estéticos ou qualquer sistematização e se caracteriza pelo fato de que todo e qualquer material poder ser incorporado à criação e à expressão artística com o uso de objetos diversos.

A Arte Bruta marcou os trabalhos desenvolvidos pelos pacientes psiquiátricos da terapia ocupacional desenvolvida pela psiquiatra Nise da Silveira no Centro Psiquiátrico Nacional Pedro II no Rio de Janeiro que se destacou como oposição aos tradicionais métodos de tratamento utilizados na época, como por exemplo, o eletrochoque e a lobotomia. Nise reinventou a arte como expressão para dar visibilidade as emoções e celebrar a diversidade. Durante os anos de 1946 até 1974 permaneceu junto aos pacientes esquizofrênicos, entre eles Emygdio de Barros.

Emygdio nasceu no Rio de Janeiro. Era o mais velho dos dois filhos, cuja mãe, vivia isolada do convívio familiar em um quarto. Descrito como uma criança triste e tímida, Emygdio tornou-se introspectivo e silencioso. Desenvolveu, desde muito cedo na sua infância, diversas habilidades manuais. Fez o curso técnico de torneiro mecânico e ingressou no Arsenal de Marinha.

Aos 27 anos, em 1922, ao se destacar pelos desenhos que fazia, foi enviado para se aperfeiçoar em um curso na França por dois anos. Em 1924, ao retornar ao Brasil, passou por uma situação traumática ao descobrir que havia perdido a mulher que amava que estava noiva de seu irmão. Em desespero, abandonou sua função na Marinha e começou a perambular pelas ruas, sendo então, pela primeira vez, internado e diagnosticado com esquizofrenia no Hospital da Praia Vermelha no Rio de Janeiro. Em 1925, recebeu alta e retornou ao trabalho, onde ficou por dois meses. Foi novamente internado.

Em 1947, após vinte e três anos frequentando internações em diversas instituições psiquiátricas, Emygdio passou a frequentar o Ateliê do Engenho de Dentro que foi criado no Centro Psiquiátrico Nacional Pedro II, no Rio de Janeiro, em 1946, dirigido pela psiquiatra Nise da Silveira (1905-1999). Nesse lugar, críticos de arte, médicos, artistas e doentes mentais se reuniam no ateliê que fazia parte do Setor de Terapêutica Ocupacional e Recreação. Nessa época, essa experiência repercutiu muito no campo da arte, nos meios acadêmicos, terapêuticos, científicos e jornalísticos. A relação entre a arte e a loucura se tornou o centro dos debates na mídia. Pode-se dizer que o ateliê enfrentou o academicismo da Escola Nacional de Belas Artes e o modernismo apregoado pela Semana de Arte Moderna de 1922.

Na ocasião, Emygdio pode revelar seu maior talento em contato com seu monitor, o pintor Almir Mavignier, que chegou a compará-lo ao pintor Henri Matisse. Nise considerava que Almir Mavignier representava o afeto catalisador para Emygdio. É possível observar que nessa primeira fase, ele ainda apresentava uma pintura chapada, sem movimento que traduzia as emoções pelas cores sombrias, retratando a vida no hospital, no campo e nas oficinas mecânicas na qual havia trabalhado.

Durante sua estadia no hospital psiquiátrico pode atingir o mais alto nível artístico em suas obras. Em 1949, participou da mostra coletiva de pacientes no Museu de Arte Moderna de São Paulo e na Câmara Municipal do Rio de Janeiro. Em pouco tempo, começou a usar cores mais intensas, dando espaço ao inconsciente e explorando, sobretudo, o contraste cromático.

Em 1951, realizou exposição individual no Instituto Brasil-Estados Unidos no Rio de Janeiro. Em 1963, fez parte da exposição coletiva na galeria Vila Rica no Rio de Janeiro. Em 1964, realizou mostra individual organizada pelo Centro Psiquiátrico Nacional. A sua última internação foi em 1965 em uma clínica geriátrica, onde os funcionários e colegas do museu o visitavam e o incentivavam para retornar a pintar. Dessa forma, retorna a frequentar o Museu de Imagens do Inconsciente até seu falecimento em 1986, aos 92 anos.

Emygdio deixou um legado de cerca de 3.300 obras da mais alta qualidade artística, entre pinturas, desenhos e gravuras que foram incorporadas na coleção do Museu de Imagens do Inconsciente, tombadas pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico (IPHAN). Segundo o poeta Ferreira Gullar, a sua obra expressa uma rica variação cromática: "As cores, que surgem como relâmpagos do fundo da noite – noite psíquica? – pertencem a uma outra dimensão do imaginário. Há, em seus quadros, uma carga psíquica de tal densidade que certamente só quem, como ele, visitou outros 'estados do ser' pode revelar".

Emygdio retratou a natureza, figuras misteriosas, criaturas fantásticas, paisagens oníricas e criou composições com elementos naturais e elementos abstratos. As figuras humanas aparecem com traços expressivos e gestos marcantes que revelam emoções intensas. A sua obra representa a força transformadora da expressão criativa e exerceu grande influência na Arte Contemporânea. Além disso, marca a importância da valorização da Arte Marginal, o desafio às convenções artísticas convencionais e o reconhecimento de sua contribuição à cultura.

Por Mariangela Relvas