EIXO TEMÁTICO 1: Racismo e Migração, efeito na transmissão familiar e transgeracional
Na Bula Sublimis Deus (1537), o Papa Paulo III
condenou a escravidão dos indígenas
americanos e afirmou que possuíam almas e
dignidade humanas que deviam ser
respeitadas… Trouxeram os negros africanos
para fazerem as tarefas mais pesadas.
Racismo e migração, fenômenos que podem ou não convergir, são temas de enorme atualidade; com graves efeitos na construção da subjetividade e relacionados a condições sociopolíticas do mundo e da região.
Sabemos que o racismo finca suas raízes na profundeza dos prelúdios da construção da psique. Como ser faltante, o outro é inicialmente o lugar das projeções paranoides; com a intervenção do terceiro, o bebê irá derivando à construção da subjetividade ao sair de seu próprio mundo interno, diferenciando-se do outro. O racismo, como outros fenômenos, é produzido quando esta dissociação inicial predomina nas representações internas e externas, divididas entre bons e maus, com uma marcada tendência a atribuir o positivo à imagem do eu e o negativo ao outro.
Assim sendo, isso se dá em um contexto que transcende o individual. Castoriadis-Aulangnier aponta O contrato narcisista como cenário para a construção do indivíduo devido sujeito, como parte de um grupo no qual o sentido do mundo e de si mesmo é o produto de uma determinação que o precede, articulado na dimensão sociolinguística da cultura, na qual são construídos os discursos que fundam significações e com elas atribuem um lugar ao sujeito com relação ao grupo e vice-versa.
Aqui, está inscrita a experiência da migração e do racismo, o sujeito é percebido e se percebe a si próprio em relação à cultura a qual chega; frequentemente, quem emigra o faz por razões alheias a sua vontade, por condições econômicas e/ou políticas na maioria das situações.
É neste interjogo no qual se realiza a constituição do sujeito psíquico, tendo como substrato as experiências tenras moldadas na relação com seus cuidadores, portadores de conteúdos, preconceitos e vivências, por vezes relacionados com experiências de exclusão, racismo e desamparo, próprios da cultura colonial, inscritos no inconsciente individual e coletivo, sendo isso o racismo estrutural.
Os adultos racializados pais de família, os adolescentes e crianças racializados que vão à escola, imersos neste sistema, perpetuam e/ou são vítimas das agressões e microagressões que fazem parte do racismo estrutural, que ferem e produzem traumas.
Então, como entender o racismo e a migração, bem como seus efeitos transgeracionais na nossa América Latina, em nossos bebês, crianças e adolescentes? Pensar ambos fenômenos é desafiador, já que sua representação está rodeada de defesas, nas quais predominam a Negação, a Renegação, a Desmentida e a projeção, entre outras.
Abordar esses temas implica processos de descolonização, de exploração de nosso próprio psiquismo, das práticas e teorias psicanalíticas, inclusive de nossa história transgeracional como analistas, no diálogo com outras disciplinas. Significa também nos responsabilizar por nossa miscigenação, reencontrar o valor de nossa polifonia ancestral que carrega consigo uma bonita voz, além de diferentes vias da arte, no gênero literário do Realismo Mágico...